Desfolhada em Torres

Alguns elementos da Associação Recuperar a Aldeia de Torres disponibilizaram-se para apanhar as espigas de um dos nossos sócios, residente nesta aldeia. A manhã de quarta-feira, 26 de agosto, estava com muito orvalho, e por isso o contacto com a folhagem do milho tornou-se menos agradável. No entanto, o sol cedo surgiu e o calor começou a apertar, atingindo-se a temperatura de 36 graus. Os colaboradores eram nove e, cantando as velhas canções da avó Lucinda, lá foram fazendo o seu trabalho.     

Claro que a apanha das espigas, seguida da desfolhada, nas eiras, já não existe. Atualmente, o trabalho consiste em, antecipadamente ao dia da colheita, escarpelar as espigas, deixando-as a descoberto para que o sol as possa secar bem. Posteriormente, quando o milho da espiga já está praticamente seco, o proprietário e os seus amigos vão ao milheiral separar as espigas dos respetivos caules.

Ao fim desse mesmo dia, veio uma debulhadora mecânica que, rapidamente, separou o milho da espiga do seu carolo (ou maçaroca), sendo, em seguida, estendido na eira, para acabar de secar. Aí permaneceu três dias, que foram suficientes graças ao sol escaldante, e foi depois ensacado, acabando o seu ciclo.

Recuando no tempo, aquando da minha meninice, o trabalho era diferente. Quando a espiga estava madura, o caule era cortado e tudo era transportado para o pátio dos lavradores. Aí, geralmente à noite, era feita a desfolhada, que consistia em retirar a espiga do caule. Este caule ia servir de alimento ao gado bovino, que era a força de trabalho dos lavradores. Em seguida, as espigas eram postas a secar na eira e, quando se entendia que o milho estava seco, era debulhado e estendido na eira, para acabar de secar.

Hoje, o trabalho está muito simplificado, mas a alegria das escamisadas com o milho-rei (espigas de grão vermelho, que davam direito, a quem as encontrasse, a dar um abraço a todos os presentes) perdeu-se, bem como o convívio que este trabalho proporcionava aos amigos, vizinhos e familiares, aos serões.

O dono do milho, na noite da desfolhada, costumava agraciar os seus colaboradores oferecendo-lhes uma “pinga” [vinho], acompanhada de uns bons bocados de boroa caseira e algum naco de chouriço do fumeiro.

Hoje, os mais novos rareiam na nossa aldeia e, por isso, são os mais velhos – aqueles que teimam em ficar – que vão fazendo este trabalho, num espírito de entreajuda e, por isso, de forma gratuita.

A nossa associada Marianne, que trocou a Holanda pela Bairrada, fez a reportagem fotográfica e em vídeo desta jornada e confessou que foi uma atividade muito gratificante, pois fê-la recordar a infância no seu país natal.

Esta é mais uma tradição agrícola que queremos dar a conhecer e documentar, para memória futura e para valorizar o trabalho das gentes da nossa terra.

Natália Loureiro

Sem bunho não há esteiras

A Associação Recuperar a Aldeia de Torres (ARAT), continuando o seu desígnio de regressar às origens e reabilitar o património arquitetónico e cultural da aldeia de Torres, partiu em romaria, no último sábado de julho, até aos arrozais e marinhas de Perrães, em busca do tão necessário – e difícil de conseguir – material: o bunho. Alguns sócios da Associação mobilizaram-se alegremente para se encontrarem com o artesão, senhor Paulo Ribeiro, que nos conduziu ao local onde existe esta planta. Quer as senhoras, quer os cavalheiros procuraram vestir-se à moda antiga, com chapéus de palha e munidos com a indispensável foice. O terreno era agreste e o bunho alto, verde e duro de cortar, mas entre cantigas do tempo das nossas avós (fruto de uma recolha realizada pela Associação) lá fomos cortando, fazendo os molhos e atando-os à moda tradicional, para depois serem transportados até à nossa aldeia de Torres.

Corte do bunho, que depois é atado, para se fazerem molhos
Sr. Paulo Ribeiro, artesão de Perrães, colaborador da Associação Recuperar a Aldeia de Torres

Terminada a árdua tarefa, o estrado da camioneta serviu de mesa para aí colocarmos os alimentos que antigamente integravam uma merenda tradicional (ovos cozidos, chouriço, presunto, azeitonas, bacalhau assado, boroa de milho e trigo e melão). Não faltou também o vinho branco e tinto e a boa água de Perrães. Aí, à volta de tão saboroso e reconfortante repasto, conversámos alegremente, recordámos tradições antigas e aprendemos com o senhor Paulo muitos ensinamentos relacionados com o tratamento do bunho até à confeção do produto final – as esteiras.

Com esta manhã de trabalho, foi assim alcançado o principal objetivo da nossa iniciativa: adquirir o material para as nossas artesãs de mais idade, que esperam ansiosamente pelo bunho para assim ocuparem as suas tardes de domingo e longas e solitárias noites de inverno, esquecendo a idade, as dores e recordando as alegrias da sua juventude.

Elementos da Associação Recuperar a Aldeia de Torres, amigos de Torres e o sr. Paulo Ribeiro

Iniciativas como esta enriquecem as nossas gentes do campo, ajudam a revitalizar as aldeias, não deixando esquecer o património pessoal e cultural que está em vias de desaparecer.

Artigo publicado no Jornal da Bairrada, a 13 de agosto de 2020.