O Natal na nossa Associação

No passado sábado, dia 28 de novembro, uma equipa de filmagem, enviada pela Câmara Municipal de Anadia, veio recolher o nosso pequeno contributo para a festa natalícia do concelho – “Anadia – Paixão pelo Natal” – a pensar principalmente em a fazer chegar aos nossos emigrantes que, este ano, por motivos vários, não poderão estar com as suas famílias.

A nossa participação consistiu na representação de um conto de Natal de Miguel Torga, que adaptámos à nossa aldeia; o mendigo Marau é uma personagem real que, em tempos passados, aparecia em Torres, sendo ainda recordado por alguns dos nossos sócios.

O cenário da representação do conto de Natal

As artesãs trabalharam nos seus teares e as restantes sócias e amigas da Associação trouxeram as suas oferendas para o Menino Jesus que, numa cabana de esteiras, dormia regalado no berço, feito com uma antiga gamela onde muitos alqueires de farinha foram amassados e fizeram a broa que saciava a fome à família.

Em primeiro plano, as artesãs Graciete Pereira e Izaíra Pereira

Houve acompanhamento musical, com harpa e, no final, foi cantada uma canção popular de Natal.

Aproveitamos para desejar um Santo Natal a todos aqueles que, por cá ou além fronteiras, nos acompanham.

Nota: A Câmara Municipal de Anadia divulgará online o resultado final do trabalho que está a ser realizado com todas as associações do concelho. Nessa altura, faremos a sua divulgação.

Natália Loureiro

Preparativos para a gravação
Na harpa, Marianne van Gool-Moerings
A gravação decorre, com a presença das artesãs, de outros elementos da Associação, também participantes, da tocadora de harpa e da narradora da história, Natália Loureiro
O mendigo Manuel Marau (Amândio Reis) e Nossa Senhora (Natália Pereira)
As restantes participantes na atividade trouxeram oferendas para o Menino Jesus

O mendigo Manuel Marau

Manuel Marau era um velho mendigo, muito conhecido por todos os torrienses.

Aparecia de tempos a tempos vindo das serranias, lá para o lado do Buçaco, e por aqui estendia a mão à caridade para conseguir matar a fome.

Era noite de consoada e o Manel, desta vez, tinha-se aventurado até terras da Pocariça, para conseguir uma maior reserva de alimentos para os dias festivos que se aproximavam.

Descuidou-se e, quando olhou para o céu, apercebeu-se que não tardaria a cair a noite e ele não sabia ainda onde ficar, pois já tinha saído do Montinho há um bom pedaço mas as pernas, não só acusavam o cansaço, mas também  os setenta e muitos invernos a carregar o alforge mais aquele corpo, pouco mais que esquelético.  Apressou o passo, pois precisava chegar rápido ao Alto do Santo;  daí à Capela da Senhora do Desterro, em Torres, era coisa pouca e ele já tinha entretanto decidido que o melhor era mesmo  pernoitar por aí, pois nesta noite ninguém lhe daria guarida e chegar à sua terra era coisa impensável. Demais a mais, ninguém o esperava pois não tinha qualquer família, nem próxima nem afastada.

Nada de maus pensamentos nem tristezas, o melhor que tinha a fazer era dar corda às botas e assim lá chegou ao Alto do Santo.

O vento gélido fustigava o seu corpo mal agasalhado e as mãos começavam a enregelar, as primeiras estrelas apareciam no firmamento e também elas reluziam friorentas. Graças a Deus que daí, por entre o negrume da noite, já se vislumbrava à distância a torre sineira da capela da Senhora do Desterro.

Não podia desistir agora, era só mais um pouquinho e chegaria a porto seguro.

Eis que chega finalmente! O seu esforço tinha sido recompensado.

Encostou o cajado à parede da capela, descarregou o alforge das costas e procurou, rapidamente, os fósforos nos bolsos esburacados, mas faltavam as agulhas e os cavacos para que houvesse fogueira…

Tinha que resolver o problema e ao espreitar à porta da capela da santa viu que estava aberta, o que lhe facilitou a vida. Entrou, vasculhou as gavetas da cómoda, não para roubar qualquer moeda esquecida, mas à procura de um pouco de jornal ou outro papel. Encontrou o que precisava! Agora, só faltavam os cavacos para que a fogueira se fizesse. Também isso se resolveu, pois atrás da porta ainda estava o andor que os mordomos fizeram na última festa para transportar a Senhora na procissão. Saiu para o alpendre, fez uma bela de uma fogueira, tirou o melhor que tinha no alforge para cear e, sentado, próximo da fogueira, preparava-se para se regalar com uma ceia melhorada, mas sozinho. Nisto, teve uma ideia; de um salto levantou-se e dirigiu-se à porta da capela. A fogueira iluminava bem a imagem da Nossa Senhora que, segundo ele, até parecia que lhe queria falar, pois Ela, assim como ele, também se sentia sozinha naquela noite profunda. Entrou, foi até ao altar e com uma alegria que transparecia da sua boca, já com muita falta de dentes, estendeu a mão direita e disse:

– Venham consoar comigo! A Senhora, faz de quem é; o Menino Jesus, a mesma coisa e eu, um pobre mendigo pecador, farei de S. José.

Torres nas quatro estações

III – Outono

Vinhedos na R. das Areias – Torres

Já foram as vindimas, as desfolhadas, já se secou nas eiras o milho, já se apanhou e debulhou o feijão, e as abóboras já foram transportadas das terras para as imediações da casa (para o sustento do gado suíno).

Em meados de outubro, o trabalho começa a abrandar; os dias ficam mais pequenos, roça-se o mato para a cama dos animais, apanham-se as agulhas para acender a lareira e aquecer a casa nas próximas noites de inverno. É ao redor da lareira, tendo por companhia o crepitar da fogueira, que a família se reúne e então reza-se pelas almas dos que já partiram, organiza-se o trabalho para os dias seguintes, fazem-se tiras para fazer as mantas que os aquecem na cama no próximo Inverno, as raparigas fazem renda e bordam para o seu enxoval, fazem-se pipocas e conversa-se sobre a próxima ida ao baile, único divertimento na Bairrada, para a juventude, no tempo dos nossos avós.

Neste mês de outubro, e até aos Santos, as famílias mais abastadas iam para a praia da Costa Nova, Mira ou para a Figueira da Foz; também era o período em que se faziam os casamentos dos filhos – e todos casavam pela Igreja -, visto que nesta altura havia um pouco mais de dinheiro, fruto da venda dos produtos da terra e  menos afazeres na agricultura.

A natureza está diferente e as folhas das árvores tingidas de muitas cores começam a atapetar o chão. Os dias são mais calmos, menos quentes e cheios de magia. A onze de novembro é o S. Martinho e, todo o lavrador que se preze, vai à adega com os amigos e dá a provar o vinho novo, tirado dum grande tonel por um buraquinho pequeno chamado espiche; com um pouco de sorte, até pode haver umas castanhas assadas para empurrar o precioso néctar.

O outono é a estação da nostalgia, do encanto de sentir o barulho das folhas quando as pisamos, de ver o entardecer em que o sol se põe tépido, deixando no céu um rasto encarnado que se desvanece nas nuvens. Viver no campo tem o encanto da tomada de consciência da mudança das estações.

Também por isso, fica este relato das vivências em Torres, há algumas décadas atrás.