Em Torres, no passado sábado, dia dois de março, a Associação Recuperar a Aldeia de Torres celebrou, com todo o entusiasmo, o feito heróico dos militares de abril.
Logo pelas nove horas da manhã ouviu-se música do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, do Padre Fanhais, do Sérgio Godinho e de muitos outros que não tiveram medo e cantaram até que a voz lhes doesse.
Por volta das dez e trinta, foi a vez dos oradores convidados partilharem as suas comunicações com os presentes.
A amiga Natália Pereira, oriunda desta aldeia, contou de forma sucinta, mas muito convincente, como era a vida de uma criança que ia sozinha, descalça, para a escola da Poutena e que além dos livros na sacola de pano levava uma côdea de pão rijo, para comer ao almoço, visto que a escola não servia almoço aos alunos. Quando chegava a casa, tinha que apanhar pasto para os bois, “migar” beterraba para os leitões e, depois da ceia, já a dormitar, à luz da candeia, fazia os deveres da escola. Desse país a preto e branco falou também a antiga professora do primeiro ciclo, Lurdes Rebelo. Relatou as dificuldades de uma filha de ferroviário com sonhos e capacidade para ser médica, mas que optou por ser professora primária pois o pai faleceu precocemente e a mãe não teve ajuda do Estado poder formar a filha. Talvez por isso, nas suas turmas a presença de alunos de etnia cigana nunca a amedrontou mas, pelo contrário, a fez lutar por eles para que não fossem marginalizados mas iguais aos meninos com mais recursos.
A professora Fátima Reis, com muita vocação para fazer e declamar poesia, leu poemas de Natália Correia e António Gedeão, entre outros poetas que nesta época não se sentiam amordaçados e ia dando esperança aos inconformados.
O professor António Ceiça falou das dificuldades de qualquer jovem do meio rural com pais detentores de poucas posses, o que não lhes permitia ter filhos doutores; por isso os licenciados eram poucos e raramente eram filhos de pais com poucos recursos económicos. Falou também na tristeza que era ser mobilizado e partir para uma guerra com a qual não se concordava – o que aconteceu consigo, tendo passado dois anos em Moçambique a cumprir o serviço militar – e sem se ser esclarecido sobre o porquê da guerra nem sobre o que se iria encontrar no Ultramar.
O professor António Oliveira, que acabou o seu percurso profissional na Escola Secundária de Cantanhede, falou e tentou explicar o que se entendia por Estado Novo e também partilhou a sua visão da guerrilha em Angola, onde prestou serviço militar como graduado. Na Adega do Avelar estavam presentes outros antigos combatentes, o que proporcionou uma partilha de experiências nas diferentes ex-colónias, mas todas igualmente dolorosas.
O espaço onde decorreu este evento estava decorado com cartazes alusivos à época, com recordações e condecorações recebidas por alguns combatentes presentes, estando também expostas revistas e livros escolares desse período.
O almoço foi momento de convívio para os presentes que, apesar de serem oriundos de terras distantes, passaram a confraternizar alegremente. Pelas quinze horas o conjunto musical Mais Coisa Menos Coisa alegrou os convidados que cantarolaram músicas que há muitos anos os faziam sonhar com muita esperança no futuro.
Não vieram todos os que queriam vir, pois o temporal prometido afugentou os menos aventureiros, mas pelo que vimos e sentimos acreditamos que todos os presentes não se sentiram defraudados e partiram muito mais felizes e enriquecidos com o que ouviram e partilharam.
Agradecemos igualmente a participação da arquiteta Olga Santos que expôs trabalhos alusivos a esta comemoração e da autoria de diversos artistas plásticos. Foi também deveras gratificante, e motivo de atenção e curiosidade por parte dos presentes, a exposição de um quadro da artista plástica Dina Lopes, com raízes em Torres, cujo obra representava várias gerações da sua família.
Esta comemoração foi preparada com muito tempo de antecedência e com bastante carinho. A sua concretização enche-nos de orgulho e acreditamos que este nosso pequeno contributo irá valorizar as comemorações que a freguesia de Vilarinho do Bairro e o nosso concelho estão a preparar para celebrar os 50 anos do 25 de abril, um acontecimento crucial importante para a nossa vida democrática.