AS VINDIMAS EM TORRES

Os cachos estão, finalmente, maduros. Setembro é o mês das vindimas, na Bairrada!

Nos tempos presentes, muitos agricultores deixaram de fabricar o vinho nas suas adegas. Transportam as uvas em tratores para grandes produtores, caves ou cooperativas.

O trabalho tem que ser feito com alguma urgência e, como não há muitos jovens nas aldeias, são os vizinhos, os amigos e alguns assalariados que realizam este trabalho da vindima, em dias de muita azáfama e grande esforço físico.

Na manhã do dia 7 de setembro, munida da minha tesoura, comprada expressamente para este trabalho – que eu já não fazia há muitos anos -, fui ajudar na vindima de um dos nossos associados, residente em Torres. Lá encontrei um grupo de vindimadores que, em conversa animada, cortavam os cachos das cepas com rapidez e desenvoltura, fruto da sua experiência. Os cachos tinham um aspeto maravilhoso, pois o verão foi muito quente e seco e, na encosta do Regueirão, em Torres, os bagos tinham um tom dourado e eram muito saborosos. A temperatura começou a subir a meio da manhã, até atingir os 36 graus. Mesmo assim, ninguém esmoreceu, pois o trabalho tinha que ser feito. Os cachos, depois de cortados e depositados em grandes baldes, foram transportados de trator para uma grande adega de Vilarinho do Bairro.

Claro que o trabalho da vindima já não é como o conheci, quando era menina e moça. Nessa época, todos os filhos da terra, mesmo os que andavam a estudar, ajudavam neste trabalho duro, mas também alegre. Os cachos, depois de cortados, eram despejados em dornas, que eram transportadas, em carros de bois, para as adegas dos lavradores. Aí, eram depositados em grandes balseiros de madeira ou, mais tarde, em lagares feitos em cimento, onde as uvas eram pisadas. Durante alguns dias, e duas vezes por dia, os cachos eram mexidos, pois a fermentação fazia com que as cascas e os engaços subissem à superfície, sendo depois necessário empurrá-los novamente para o interior do líquido, facilitando o processo de fermentação.

Toda a aldeia, durante este período, exalava um cheiro a vinho, fermentação e mosto. Era um odor muito intenso que, apesar de não muito agradável para as nossas narinas, denotava o fim de um ciclo que iria trazer abundância e a possibilidade de concretização de projetos às famílias.

Era também no período das vindimas que os jovens, ao final do dia, se juntavam no alambique do senhor Acácio Trancho, para confraternizarem e fazerem companhia ao “homem da máquina” que, ininterruptamente, colocava o bagaço dentro da caldeira para daí extrair a aguardente. Como a noite era longa, fazíamos ceias com marmelos assados, bacalhau, batatas a murro e, quando havia algum colega estudante na Universidade de Coimbra, com jeito para cantar, éramos presenteados com fados e baladas. Claro que também íamos aos bailaricos a Samel, Poutena e Campanas. Aí, dançávamos ou víamos dançar um tango, uma valsa ou um passo doble. Que felizes éramos todos nós, mesmo sem internet, telemóveis ou facebook!… Ao raiar do dia, os rapazes iam aos campos do milho armar os costelos para apanhar pássaros e as raparigas, sentadas não muito longe, ficavam à espera do nascer do sol.

Hoje, o trabalho das vindimas está mais facilitado, embora haja produtores que continuam a fazer o seu vinho em casa, seguindo todo o processo tradicional.

A vindima continua a exigir uma grande quantidade de mão-de-obra. Os grandes produtores de vinho na Bairrada chegam a ter, por dia, entre 80 a 100 assalariados por altura das vindimas. Devido à falta de mão-de-obra, este ano houve inclusivamente trabalhadores asiáticos, na nossa freguesia, o que deu um colorido diferente e único.

A Bairrada é atualmente reconhecida como uma grande região vinícola, pois temos grandes e conceituados produtores que, introduzindo novas castas, usando castas antigas – como a baga – e aproveitando as técnicas, a criatividade e a sabedoria dos enólogos, conseguem novos paladares que, competindo internacionalmente com vinhos de regiões afamadas, da Europa e do Mundo, têm trazido para a nossa região prémios e distinções que nos dão muito orgulho e alento para continuar a valorizar o trabalho da terra.

Natália Loureiro

Fotografias de Marianne Moerings

Desfolhada em Torres

Alguns elementos da Associação Recuperar a Aldeia de Torres disponibilizaram-se para apanhar as espigas de um dos nossos sócios, residente nesta aldeia. A manhã de quarta-feira, 26 de agosto, estava com muito orvalho, e por isso o contacto com a folhagem do milho tornou-se menos agradável. No entanto, o sol cedo surgiu e o calor começou a apertar, atingindo-se a temperatura de 36 graus. Os colaboradores eram nove e, cantando as velhas canções da avó Lucinda, lá foram fazendo o seu trabalho.     

Claro que a apanha das espigas, seguida da desfolhada, nas eiras, já não existe. Atualmente, o trabalho consiste em, antecipadamente ao dia da colheita, escarpelar as espigas, deixando-as a descoberto para que o sol as possa secar bem. Posteriormente, quando o milho da espiga já está praticamente seco, o proprietário e os seus amigos vão ao milheiral separar as espigas dos respetivos caules.

Ao fim desse mesmo dia, veio uma debulhadora mecânica que, rapidamente, separou o milho da espiga do seu carolo (ou maçaroca), sendo, em seguida, estendido na eira, para acabar de secar. Aí permaneceu três dias, que foram suficientes graças ao sol escaldante, e foi depois ensacado, acabando o seu ciclo.

Recuando no tempo, aquando da minha meninice, o trabalho era diferente. Quando a espiga estava madura, o caule era cortado e tudo era transportado para o pátio dos lavradores. Aí, geralmente à noite, era feita a desfolhada, que consistia em retirar a espiga do caule. Este caule ia servir de alimento ao gado bovino, que era a força de trabalho dos lavradores. Em seguida, as espigas eram postas a secar na eira e, quando se entendia que o milho estava seco, era debulhado e estendido na eira, para acabar de secar.

Hoje, o trabalho está muito simplificado, mas a alegria das escamisadas com o milho-rei (espigas de grão vermelho, que davam direito, a quem as encontrasse, a dar um abraço a todos os presentes) perdeu-se, bem como o convívio que este trabalho proporcionava aos amigos, vizinhos e familiares, aos serões.

O dono do milho, na noite da desfolhada, costumava agraciar os seus colaboradores oferecendo-lhes uma “pinga” [vinho], acompanhada de uns bons bocados de boroa caseira e algum naco de chouriço do fumeiro.

Hoje, os mais novos rareiam na nossa aldeia e, por isso, são os mais velhos – aqueles que teimam em ficar – que vão fazendo este trabalho, num espírito de entreajuda e, por isso, de forma gratuita.

A nossa associada Marianne, que trocou a Holanda pela Bairrada, fez a reportagem fotográfica e em vídeo desta jornada e confessou que foi uma atividade muito gratificante, pois fê-la recordar a infância no seu país natal.

Esta é mais uma tradição agrícola que queremos dar a conhecer e documentar, para memória futura e para valorizar o trabalho das gentes da nossa terra.

Natália Loureiro