Logo a seguir à vindima, as mulheres de Torres, embora cansadas, começaram a reunir-se à noite para, em segredo, iniciarem a construção dos seus espantalhos, usando as técnicas ensinadas por Conceição Ferreira, que recentemente dinamizou, na nossa aldeia, um workshop de construção de espantalhos. As figuras icónicas da terra, como o tio Leonel Aleixo e a sua esposa Vitória, a ti Nazaré parteira e a ti Lucinda, os cachopos que iam para a escola da “Poitena”, foram recriadas com muito carinho, e colocadas a embelezar e decorar as ruas da aldeia.
A RTP veio antecipadamente, na tarde de quinta-feira, para divulgar a festa, dando destaque aos trabalhos dos artesãos presentes, de Torres e do Centro da Poutena, que entrevistou.
Pela calada da noite de sexta-feira, 7 de outubro, os tratores, conduzidos maioritariamente pelas mulheres de Torres, iam carregados de verdura apanhada nas imediações, que deram um aspeto natural e bucólico às ruas da aldeia.
Os artistas plásticos, que já se habituaram a conviver nesta terra, espalharam os seus trabalhos pelas casas em ruínas e pelas ruas. Algumas dessas obras de arte foram inspiradas na aldeia, como por exemplo o trabalho de Elisabeth Leite que, numa tela gigante, imortalizou a mulher de Torres no seu caminho para a Fonte da Cuba.
No sábado, pela manhã, a aldeia transfigurou-se, com as ruas enfeitadas, os trabalhos dos artistas expostos em diversos locais, os espantalhos e a alegria dos gaiteiros, rua abaixo, rua acima, fazendo lembrar as festas de antigamente.
O programa deste evento foi deveras ambicioso, rico e diversificado. A manhã de sábado contou com jogos tradicionais e com um atelier musical para crianças. À tarde, os artesãos do bunho e do junco mostraram aos visitantes a sua mestria e arte. E à noite, o grupo musical Amadeu Mota animou o recinto da festa.
É de destacar o recital de sábado à tarde, que envolveu crianças, jovens e adultos, vindos de diversas proveniências – desde Vila do Conde até ao Algarve, passando por Fátima e pelo nosso concelho -, que interpretaram peças em harpa, piano, flauta transversal, trompete, guitarra, oboé, clarinete, violino e canto. No recital foi também apresentada uma recriação de uma canção com cerca de 100 anos, cantada nesta terra pelas moças nos então chamados “pavilhões ensaiados” e terminou com o hino da Associação, cantado por todos os presentes.
A Associação promoveu, este ano, um concurso de poesia, no qual participaram alunos da escola EB de Vilarinho do Bairro e também adultos, um deles de seu nome Alexandrino Neto, natural de Torres e residente em S. Paulo, Brasil, que transmitiu, no seu poema, muita saudade pela sua terra natal e muito carinho pela Lagoa de Torres.
Esteve também patente, ao longo dos dois dias, uma exposição de bordados, intitulada O Baú das Avós, que incluiu bordados com mais de 100 anos, mobílias recuperadas, peças de roupa e outros objetos antigos, em louça ou em madeira.
O momento alto das festividades foi o cortejo etnográfico realizado na tarde de domingo, 9 de outubro, onde se incorporaram as entidades locais, civis e religiosas, elementos de confrarias e outras associações locais, com a participação do grupo de bombos Só Pedra (Portunhos), do rancho folclórico Flor Viva do Seixo de Mira, do povo da aldeia e dos seus amigos convidados vestidos a rigor, alguns deles nas suas bicicletas antigas, bem como do grupo de bicicletas da ADASMA, vindo de Mamarrosa.
Todo este aparato criou uma atmosfera de festa e alegria que deu bastante colorido à cerimónia protocolar de entrega, no Largo da Capela, do certificado “Aldeias de Portugal” ao presidente da Junta de Freguesia de Vilarinho do Bairro.
Depois desta cerimónia, todos se deslocaram para o recinto da festa, acompanhados pela música animada do grupo de bombos Só Pedra. Aí puderam apreciar, nas barraquinhas, a comida bairradina, tentar a sua sorte na quermesse e apreciar o trabalho dos artesãos presentes bem como o trabalho em barro, usado para a construção de casas. Já era noite quando se visualizou o documentário Festa do Bunho e do Junco 2021, com a colaboração do CineClub Bairrada e Club de Ancas.
O balanço desta terceira edição da Festa do Bunho e do Junco, uma organização da Associação Recuperar a Aldeia de Torres, é bastante positivo, tendo sido considerada a melhor festa das três já realizadas. Este evento tem dado bastante visibilidade à pequena aldeia de Torres, que atrai, nestes dias, visitantes de perto, mas também de longe. É uma festa com um cariz popular, tradicional, recuperando hábitos, tradições, canções, mas que, simultaneamente, tem procurado imprimir um carácter artístico e cultural que, a pouco e pouco, está a mudar a maneira de pensar e sentir da população local.
A Associação presta o seu agradecimento à Câmara Municipal de Anadia pelo apoio logístico e financeiro, indispensável para a concretização deste grande evento na pequena aldeia de Torres.